domingo, 21 de fevereiro de 2010

Texto que gostaria de ter escrito (5)

Fernanda Câncio escreveu isto na coluna Sermões Impossíveis do Diário de Notícias, com o qual concordo em absoluto.

"A morte do Cândido e o enterro dele – o primeiro da minha vida, o primeiro a que os meus pais me perguntaram se queria ir – traçam uma fronteira. Não sei bem qual, mas volto lá muitas vezes. O momento em que percebi que se pode viver uma tragédia de fora, em completa estranheza, como quem assiste a um filme. O momento em que intui a probabilidade de se poder resistir a tudo (ou quase tudo?) e a suprema incapacidade de ser o outro, de sentir pelo outro. Ou de sentir o que achamos que devemos sentir, da forma como achamos que se sente.

Há uma culpa nisso, claro, no fim disso que como crianças cremos ser a simplicidade dos sentimentos, a candura da nossa relação com o mundo. Não, não sentimos as tragédias dos outros, por mais presentes, inesperadas e injustas, como se fossem nossas: sentimos como nossas as nossas tragédias e as tragédias dos outros são também às vezes – ou parecem-nos – nossas. “Os meus sentimentos”, a frase ritual que usamos para os próximos de alguém que morreu, é a espantosa admissão dessa impossibilidade, dessa incapacidade. Os meus sentimentos, não os teus."

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